RESERVA (SELVAGEM) NO CUATIR, LIXEIRAS (DOMESTICADAS)  EM LUANDA

Encostada à Namíbia, nascia há dez anos a única reserva privada de vida selvagem em Angola, idealizada pelo namibiano Stefan Van Wyk, que quer tornar o Cuatir no maior parque africano privado de safaris. «É exactamente disso que nós precisamos», afirma José Ernesto, um pai angolano que faz safari alimentar e de subsistência numa das muitas reservas públicas de Luanda, vulgo… lixeiras.

Nascido em Windhoek (capital da Namíbia) há 53 anos, o conservacionista descobriu o Cuatir em 2012 quando sobrevoava a área com uma avioneta e apaixonou-se pela solidão do local e pela total ausência de vestígios humanos, iniciando logo a seguir o processo para formalizar uma concessão.

Explica a Lusa, num excelente trabalho jornalístico sobre o assunto, que naquela ilha, uma extensa área encaixada entre os rios Cubango e Cuito, a cerca de 1.500 quilómetros da capital angolana, o cenário é o da típica savana africana: uma vastidão de capim, que serve de pasto e esconderijo aos animais, espraiando-se até à linha do horizonte, acompanhada do chilrear alegre das espécies de aves que por ali abundam e o zumbido dos insectos.

Palancas vermelhas, nunces, olongos e kudus são algumas das espécies de antílopes que se podem encontrar por ali, desfrutando de 40 mil hectares de liberdade.

Mas há também outros mamíferos como zebras, girafas, mabecos e até chitas, que deixam os seus vestígios no terreno e são “apanhados” nas câmaras fotográficas estrategicamente colocadas junto dos bebedouros, apesar de permanecerem normalmente invisíveis para os visitantes.

É aqui que Stefan instalou a sua base, com uma área de campismo e seis bungalows despojados, aptos para poder receber turistas e cientistas que têm investigado a vida selvagem neste projecto de conservação, onde estão contabilizadas 32 espécies de mamíferos, 112 de aves e 24 espécies de árvores.

Às primeiras horas da manhã observam-se nas proximidades do acampamento pequenos grupos de impalas, nunces e kudus, bem como visões fugazes de umas tímidas girafas, mas nada dos esquivos felinos, que preferem a noite para caçar.

Foi em 2020 que o namibiano começou a reintroduzir no Cuatir espécies que tinham desaparecido com a guerra, como a girafa e a zebra e que se readaptaram rapidamente ao habitat que lhes é natural.

Para 2024, está prevista a chegada de uma manada de 16 elefantes provenientes da Namíbia, uma operação complexa que obriga, além do licenciamento, captura e transporte dos animais, a alargar a vedação para que não regressem ao seu país de origem.

“Parece que têm GPS”, brinca Stefan van Wyk, salientando que, no tempo colonial, Cuatir era a zona de Angola com mais elefantes.

“Os jornais da época falam das caravanas de caçadores que vinham cada ano para Cuatir, até 1975 (altura da independência). Os americanos caçavam aqui elefantes em quantidade”, conta.

Só que durante a guerra civil, que durou quase três décadas até 2002, a área foi ocupada pela União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) que usava os animais para comer e se manter operacional, trocando o marfim por armas.

“Queremos repovoar a área com elefantes para contribuir para a riqueza do Cuando Cubango (província angolana do sul), para o povo ter um futuro no ecoturismo”, diz o empresário, que recebe normalmente os turistas por via aérea.

Distante de tudo, os acessos por estrada são difíceis e é necessário perder pelo menos um dia para quem quiser chegar por esta via a partir de Luanda. Parte do caminho – que inclui uma travessia em jangada – segue por uma picada que pede carros robustos e corpos disponíveis para aguentar a “tareia”.

Stefan van Wyk quer alargar a reserva privada – a única em Angola – para os 200 mil hectares para ter área suficiente para animais de grande porte, como elefantes e búfalos, e transformar o Cuatir no maior parque de safaris sob gestão privada em África.

“A África do Sul tem o Tswualu, acho que com 100 mil hectares, a Namíbia tem Erindi, com 70 mil hectares, e este vai ser o maior parque privado em África para ecoturismo”, ambiciona, frisando que a província angolana do Cuando Cubango é a mais adequada à vida selvagem, graças à extensa mancha florestal e ao regime de chuvas.

“Temos sorte porque esta área não vale nada para a agricultura, o solo [não é bom] por causa da areia, por isso esta área está disponível para os animais selvagens e os animais podem trazer turismo, oportunidades para criar empregos nesta área de Angola”, realça.

A abundância faunística contrasta com a ausência de aldeias. Além das esparsas comunidades Nganguela e Camussequele (San), poucos são os vestígios da presença humana.

Stefan tem vindo a recrutar e a empregar alguns destes aldeãos na cozinha e em trabalhos domésticos, outros como vigilantes, para afastar caçadores furtivos, e outros servindo de guias, como é o caso de Camussequele Massada, cujo olhar treinado encontra facilmente os trilhos frescos de animais, garantindo-lhe um rendimento extra para a sua família.

O empresário considera que Angola ainda não está preparada para o turismo, apesar de ter eliminado já um dos obstáculos, com o fim da exigência de vistos.

Mas falta, por exemplo, formalizar os postos de entrada nos aeroportos de Menongue e Cuito Cuanavale, afirma, sublinhando que, tal como a Jamba, locais ligados à guerra civil angolana, “vão ser importantes” para o turismo.

“Acho que o turismo pode contribuir muito para a economia de Angola, neste momento entram poucos turistas (…) e as viagens autónomas não trazem muito dinheiro para o país, queremos ajudar a nossa economia e nosso povo nessa área”, diz.

Por agora, são sobretudo turistas estrangeiros, do Reino Unido, dos Estados Unidos, da Bélgica, espanhóis e alguns portugueses, que procuram o Cuatir, em busca de “um sítio bonito” onde possam fazer uma pausa curta antes do próximo destino exótico.

Mas há também ameaças ao desenvolvimento turístico na região, aponta Stefan: “Ouvi dizer que o Governo tem planos para fazer prospecção de petróleo nessa área e os madeireiros são talvez a maior ameaça, acabam com as árvores e cortam milhares de toneladas por ano”, diz, referindo-se às valiosas madeiras de mussivi e girassonde que, por enquanto, abundam naquelas paragens.

A caça furtiva é outro risco para a conservação da natureza nesta área onde os animais só começaram a regressar há cinco anos, alerta o conservacionista.

Com planos para criar mais um acampamento em Janeiro e construir casas na árvore junto de um miradouro onde os turistas podem apreciar a beleza do pôr-do-sol africano, Stefan garante que vai continuar a receber grupos pequenos, com um máximo de dez pessoas, porque é “uma experiência privada”.

Em 2024, quer reforçar o marketing fora do país para começar a atrair mais turistas, destacando a sua importância para a economia angolana: “vai ser um grande benefício”.

MPLA TEM MUITAS OUTRAS… RESERVAS

Uma outra reserva, destinada a outros safaris, a chamada Reserva Estratégica Alimentar (REA) vai adquirir (segundo o menu relativo à venda de banha da cobra pelo Governo do MPLA) aos produtores angolanos a totalidade da produção de soja, o arroz com casca, o feijão e o trigo não processado, com preços pré-fixados e assegurando – prometem – os custos de transporte.

Segundo informação disponibilizada no portal oficial do Governo angolano, a medida decorre de um decreto executivo conjunto que define procedimentos e preços para aquisição de bens de produção nacional.

O objectivo, diz o Governo, é “estimular a produção e o consumo de bens e serviços de origem local, bem como reduzir paulatinamente a dependência excessiva de produtos importados”. Quem sabe, admitindo que daqui a algumas décadas consiga atingir os valores de… 1973.

Os produtos destinados à aquisição pela REA são a soja, o arroz com casca, o feijão e o trigo não processado e podem ser actualizados em razão dos preços e dos respectivos mecanismos de conservação.

O quilograma de soja vai ser adquirido junto dos produtores por 380 kwanzas (42 cêntimos), o arroz com casca a 510 kwanzas (56 cêntimos), o feijão a 600 kwanzas (66 cêntimos) e o trigo não processado a 230 kwanzas (25 cêntimos).

Os produtos devem ser adquiridos no local de armazenamento dos produtores, com condições de pesagem e de calibragem, e os seus custos de transporte são suportados pela REA.

O Governo anunciou em Julho a intenção de constituir a REA com bens de produção nacional, de modo a promover o aumento da produção interna e a segurança alimentar, divulgando no início de cada campanha agrícola os produtos a adquirir no mercado interno, as devidas especificações e o preço mínimo garantido.

A gestão da REA regressou ao Estado em Setembro, depois do Governo ter decidido anular o contrato com a Gescesta (do Grupo Carrinho) e detalhado as razões que levaram ao fim do acordo.

Em Maio, um estudo da Afrosondagem feito por encomenda, à medida e por medida do MPLA, referia que REA contribui, “de modo directo e assinalável”, para a “redução e estabilização” dos preços dos produtos da cesta básica em Angola, apesar de este fenómeno “não ser ainda muito sentido” pelos angolanos, a quem se destina.

O estudo sobre o impacto da REA no comportamento dos produtos da cesta básica em Angola, foi elaborado entre Março de 2022 e Março de 2023, indicava que os preços “reduziram significativamente” desde a sua implementação em 22 de Dezembro de 2021.

Os preços no comércio a grosso caíram 29% e no comércio a retalho registaram também uma queda de 31%, “representando um ganho significativo para o orçamento das famílias”. Das famílias que (num universo de 20 milhões de pobres) sabem o que é isso de “orçamento familiar”.

Arroz, milho, soja, açúcar e frango são alguns dos produtos que compõem a REA, cuja operacionalização, então a cargo do grupo privado (“filial” do MPLA) Carrinho, teve início em 22 de Dezembro de 2021, uma iniciativa do Governo do MPLA com vista a baixar os preços dos produtos alimentares essenciais.

O estudo encomendado pelo Entreposto Aduaneiro de Angola, entidade que coordenava a REA, refere que a “elevada descida” dos preços dos produtos alimentares da cesta básica em Angola “dá-se em contraciclo com um grande aumento dos níveis de inflação e dos preços destes produtos, a nível mundial”.

“Desde que a REA foi lançada, verifica-se também um condicionamento positivo dos operadores do mercado, que resulta num comportamento mais estável, tanto na oferta de produtos, como na manutenção dos preços”, lê-se no documento.

A pesquisa contemplou um inquérito a empresas angolanas, realizado entre 5 e 8 de Abril de 2022 nas províncias de Luanda, Benguela, Huíla, Huambo, Cabinda e Lunda Norte, numa amostragem de 209 entrevistas.

Um inquérito às famílias angolanas foi também realizado, no âmbito do estudo, entre 4 e 7 de Abril nas mesmas províncias, totalizando 825 entrevistas.

Assinalava também que os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) mostravam uma “quebra acentuada” na variação mensal do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) dos alimentos e bebidas não alcoólicas na formação do IPC, tendo passado de 1,74% em Março de 2022 para 0,79% em Março de 2023.

“O que representa uma quebra superior a 50%”, sublinha a pesquisa, referindo, no entanto, que a redução dos preços “não é, ainda assim, muito sentida pelos angolanos”. Aliás, os preços do que serve para comer têm mantido uma grande estabilidade nos maiores “hipermercados” populares do país, as novas espécies das “lojas do povo” criadas pelo MPLA, e que o Povo baptizou de… lixeiras.

Quanto à reacção dos angolanos, quando questionados sobre quanto pagaram efectivamente por determinados produtos em Novembro de 2021 e actualmente, observa o estudo, “todos reconhecem que os preços diminuíram”.

Mas a percepção que têm, argumentava a pesquisa, “é que os preços não diminuíram porque não o sentem nos seus bolsos, afirmando que, provavelmente, os preços dos restantes bens e produtos não diminuíram”. “E porque os salários não aumentam, têm cada vez mais dificuldades em comprar a mesma quantidade de produtos”, salientava.

Os empresários “parecem estar mais satisfeitos” que as famílias angolanas no que se refere ao conhecimento e intervenção da REA.

De acordo com o estudo, os resultados do inquérito às famílias angolanas mostravam que 70% dos angolanos, fazem compras nos mercados informais, e 9% faz compras nas cantinas.

Os dados mostravam também que uma percentagem significativa de angolanos “faz compras em sistema de ‘sócia’, ou seja, associam-se a outros compradores, para beneficiar dos preços unitários mais baixos praticados pelos armazéns”.

“Habitualmente, os angolanos pagaram, em média, nos últimos 12 meses, 9.735 kwanzas [17,5 euros] por uma caixa de 10 quilogramas de frango, quando, em Dezembro de 2021, pagavam 10.357 kwanzas [18,6 euros]: isto representa uma redução/poupança de 12% nos preços, quando comparado com o Natal de 2021”, refere-se ainda no estudo.

Pena foi que, ao contrário do que era desejo do MPLA, o estudo não tenha feito uma pormenorizada média do consumo dos diferentes produtos. Ou seja, se o cidadão João Manuel Gonçalves Lourenço tem (pelo menos) quatro refeições por dia, e o cidadão José Carripana da Silva não tem nenhuma refeição, em média cada um deles teve duas refeições por dia, o que é uma excelente média…

Folha 8 com Lusa

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